Aspectos Psicológicos da Gestação

Mães Feridas
07/10/2014
Autor: 
Benig Mauger

"Uma mulher se prepara para o nascimento de seu filho: traça um plano de parto e idealiza este momento ímpar. E então, um dia, ele acontece... Por mais satisfatória que a experiência possa ser para ambos, sempre fica uma diferença entre o real ocorrido e o ideal imaginado. Algumas mulheres se calam sobre a experiência, evitando as redes de contato que haviam partilhado com ela a gestação. Outras mulheres falam dessa vivência com um nó na garganta, sem compreender ao certo em que medida deveriam estar sorrindo ou chorando. Outras ainda propagam seu parto como perfeito, negando consciente ou inconsciente qualquer “nó”. E ainda outras engravidam de novo, numa tentativa de “acertar” desta vez.O texto foi disponibilizado pela psicóloga, Roseanna Soares, que também integra a diretoria da ONG Bem Nascer.

MÃES FERIDAS

Curando a Perda da Alma no Parto

(Escrito por Benig Mauger, traduzido por Laiena Dib e postado por Roseana Soares, com permissão da autora).

As contrações subitamente se tornaram contínuas e eu não tive chance de alcançá-las e de me adaptar às excruciantes ondas de dor. Entrei em pânico e simplesmente não podia parar de gritar, e então o bebê ficou entalado e eu os escutei dizer “Peguem o fórceps, cortem-na!”. Eu me senti como se aquilo fosse um ataque. Depois havia sangue por toda parte como se um assassinato tivesse acontecido. (Raphael-Leff, Psychological Processes of Childbearing. In: Mauger, B. Healing the Wounded Mother, p. 70).

Ter um bebê pode ser experimentado como um trauma profundo, como testemunham as palavras dessa mãe. Ela se sentiu violada, humilhada e sem poder. Não é que dar à luz fosse o problema; ela se sentiu traumatizada pelo modo como foi tratada durante a experiência. Meu livro “Songs from the Womb” conta histórias de parto de várias mulheres; elas constituem uma leitura pungente. Em seguida a um parto desses, Emma tinha “flashbacks” e pesadelos. Quando ninguém ouviu, ela gradualmente se retirou para um mundo particular. Ela ganhou uma criança, mas sofreu uma ferida na alma devastadora.

Um parto difícil frequentemente resulta em ferimento emocional para a mãe e o bebê. Tais feridas da “alma” são frequentemente negligenciadas porque fomos ensinadas que ter um bebê é uma experiência física potencialmente ameaçadora a ser manejada por profissionais médicos. Se emergimos da experiência relativamente intactas fisicamente, com um bebê saudável, então não temos do que reclamar. Mas muitas de nós temos.

Feridas da alma podem levar anos para cicatrizar.

Na nossa prática contemporânea de dar à luz, a preocupação com os aspectos fiscos do parto pode significar negligenciar os emocionais, particularmente os efeitos psicológicos negativos de partos medicamente assistidos. O foco inevitável está em garantir que um bebê saudável seja parido de uma mãe sadia. O manejo médico do parto e nossos avanços tecnológicos são desenhados para facilitar nossas vidas, mas há um custo?

Eu creio que há. A tecnologia, da última vez que olhei, não tinha alma. Nem a instituição médica, que é baseada na divisão de mente e corpo e transformou o parto de um evento natural em uma façanha tecnológica. E como seres humanos, que somos feitos de corpo e alma, mente e matéria e tanto mais, como a tecnologia pode jamais chegar perto de compreender o mistério da vida humana?

Feridas da alma são parte da vida e podem nos impulsionar a curar experiências dolorosas necessárias para nosso crescimento espiritual. De fato é isso que frequentemente acontece quando uma ferida de parto / nascimento é ativada. A experiência de dar à luz desse modo pode ser um catalisador para a cura. Contudo, numa era em que os mesmos avanços tecnológicos nos mostraram que o feto é um ser sensível e consciente, um entendimento disso não ensina a responsabilidade de cada pessoa em garantir à alma vindoura uma recepção quente e amorosa. O impacto psicológico não apenas do nascimento, mas da vida pré-natal, está bem documentado atualmente. Da pesquisa e estudos em Psicologia pré e perinatal sabemos que não apenas o que ocorre no útero e no nascimento mas também a concepção é enxertada no psiquismo da criança criando padrões que são carregados na vida posterior.

E se a mãe se sente ferida também o sente sua criança.

Sem dúvida ser catapultado na vida com 32 semanas de um jeito traumático teve algum papel a desempenhar em me conduzir a estudar Psicologia e escrever meu primeiro livro “Songs from the Womb”. Essa experiência me informou que como mãe, instrutora pré-natal e mais tarde como psicoterapeuta, eu estava perfeitamente ciente da desilusão feminina com o manejo médico do parto. Conhecer a sensibilidade rara de um feto ou recém-nascido significou questionar algumas das práticas que têm se tornado a norma em hospitais.

As pessoas me perguntam “Por que é tão vital que as mulheres experimentem um bom parto?”. A resposta é simples.

O parto é uma iniciação à vida e dar à luz é um direito nato de cada mulher. O desejo de ter um bom parto é tão básico que é arquetípico, o que significa que está na nossa natureza. Assim quando isso não sucede, pode ter consequências devastadoras, com tanto a mãe como seu bebê carregando cicatrizes psicológicas duradouras.

Ao mesmo tempo em que eu fiquei envolvida com o tema do parto, eu descobri o trabalho do psicólogo suíço Carl Jung. Ele falava sobre “perda de alma” e a descreveu como a doença espiritual que aflige o homem contemporâneo. Ele acreditava que em muitos modos nós nos tornamos alienados de nossas naturezas arquetípicas. Padrões arquetípicos possuem uma energia numinosa que exerce uma forte influência em nossas vidas. A negação da dimensão arquetípica coloca-nos fora de ordem. Dar à luz e nascer são experiências arquetípicas de grande significado espiritual e emocional. Mas a medicina moderna tira a natureza dessa dimensão espiritual, dispensando a alma e ferindo mães e bebês. Quando um parto é vivido desse modo, ele pode impulsionar as mulheres a tentar de novo num esforço de “acertar dessa vez”.

O parto é uma experiência que para muitas de nós carrega uma energia numinosa significando que ele é profundamente curador e transformador. A maioria das mulheres quer vivenciar o nascimento de seu filho como um ato criativo plenificante e cheio de alegria. Novamente isso é arquetípico e universal. Tudo isso também é negado a elas, desde que as dimensões psicológica e espiritual do processo de dar à luz são amplamente não reconhecidas.

No meu consultório psicológico eu vejo mulheres feridas, deprimidas e traumatizadas, batalhando para chegar a termo com uma experiência que passou longe do que esperaram. Essas mulheres são mães feridas. Frequentemente a ferida que experimentam durante o parto de suas crianças toca em outras feridas do passado, que antes estavam escondidas em seu inconsciente, nos cantos mais escuros de seus corações. Elas são feridas porque ao invés de experimentar alegria no nascimento de uma nova vida, elas sentem dor. Deprimidas, elas podem achar difícil sentir amor pela criança ou outros próximos a elas. Ou elas podem sentir amor, mas ele será tingido com dor.

Curar as feridas do parto é essencial para recuperar um senso de completude interior e mais particularmente para criar experiências de parto plenas e empoderadoras no futuro.

Curando as Feridas do Parto

Como podemos curar as feridas do parto?

Deveríamos lembrar que há uma dimensão coletiva bem como uma dimensão pessoal para a experiência humana, tal que ao curar o pessoal também curamos o coletivo. No nível coletivo:

· Devemos empoderar mulheres grávidas e retornar o parto aos pais, a quem de fato pertence. Mulheres grávidas, ensinadas que o parto é uma proeza tecnológica a ser manejada por profissionais são frequentemente impotentes e alienadas em relação à sua habilidade inata e instintiva de dar à luz.

· Devemos restaurar escolhas completas no parto tal que as mulheres deem à luz de acordo com os ditames de seus corpos. Devemos liberar o feminino instintivo.

· Curar a mãe coletiva significa recuperar o feminino em nossa cultura tal que o parto seja percebido e manejado diferentemente. Significa restabelecer o arquétipo materno negligenciado e ferido.

No nível pessoal:

· Curar significa escutar a voz perdida da sua alma. Aprofundar-se em sua ferida. Estar preparada para escutar de que sua alma precisa. Trabalhar terapeuticamente significa dar voz e forma ao inconsciente pela escrita, registro de sonhos, pintura, movimento, contar sua história a alguém e tê-la escutada (psicoterapia).

· Responsabilizar-se por sua ferida e seu processo de cura. Tomar sua saúde e seu bem-estar nas próprias mãos. Embora a raiva dirigida àqueles a quem você considera os perpetradores seja apropriada, permanecer uma vítima irá aprisioná-la.

· Lembre que o que você não sente, você não pode curar. Sua boa vontade em sofrer e aguentar a ferida trará você, a tempo, à cura.

· Esforce-se e transponha um parto prévio antes de dar à luz novamente.

· Se grávida, dialogue com o bebê; lembre-se e mantenha em seu coração a admirável resiliência do espírito humano em face da adversidade.

· Mantenha seu coração aberto e confie que sua alma sabe o caminho.

· Quando você vier a dar à luz de novo, acredite em sua sabedoria interior e escolha seu lugar de parto cuidadosamente.

Quando nós compreendemos nossos desafios de parto como tarefas espirituais de empoderamento, isso nos cura e liberta. A cura se dará quando houver consciência do significado emocional e espiritual da experiência do parto. Quando a assistência ao parto perceber e honrar tanto a extraordinária sensibilidade do feto como a dimensão sagrada de parir, e combinar tecnologia com alma, teremos um novo modelo de nascimento, empoderado embora ainda vulnerável.

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