Relatos de parto
Mateus
No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho...
Sua chegada foi muito desejada. Meu bebê representava a peça que faltava na nossa família.
Mateus é nosso bebê arco íris. Um ser iluminado, cheio de vida e vontade de viver, um guerreiro desde a sua concepção.
O beta positivo veio em meio a uma turbulência emocional entre o forte desejo de ser mãe de dois junto com a insegurança de dar conta de dois. Coisa de mãe.
Mateus logo deu seus sinais de vida. Já sentia sua força e seus chutinhos. E sempre foi gentil, sabia seu espaço ali dentro e deixou minhas costelas em paz. Rs
Os meses não foram fáceis. Uma gravidez depois de um aborto é sempre cercada de incertezas. Eu comemorava cada ultrassom e cada ida ao banheiro sem sangue. Mas o morfológico foi duro conosco. Uma suspeita de cardiopatia, confirmada por ecocardiograma, tirou nosso chão.
O que pensar? O que fazer? O que vai acontecer? Começamos a aprender aí a viver um dia por vez sem pensar muito no amanhã.
A cada eco tínhamos esperança de tudo isso desaparecer, como um milagre, mas ele não veio. Não do jeito que queríamos.
A equipe que nos acompanhava foi maravilhosa, otimista e acolhedora. Dr. José Augusto, cardiologista, tinha sempre as melhores palavras. Dr Marcelo Frederique, cirurgião, me disse que Mateus ia nascer com 38 semanas em um lindo parto normal. Será? Eu duvidei das 38 semanas, já estava esperando 42! Dra. Avelina, obstetra, sempre foi puro carinho e cuidado. Uma equipe humanizada fez toda diferença na nossa caminhada.
O parto se tornou nossa maior preocupação. Sonhava em escrever um dia meu relato. Iguais aqueles dos vários perfis de parto humanizado que sigo nas redes sociais. Apesar de nos cercar das melhores pessoas, ainda era tanta gente desencorajando, dizendo que eu não era capaz, que era doida, que já tinha uma cesárea anterior e que meu corpo não era pra parto normal.
Segui em frente com meu sonho, mas sem expectativas. Assim como o Bê, meu primogênito, só queria que Mateus viesse ao mundo saudável, independente da via de parto. E nem por isso deixei de ler, de escolher a melhor médica de todas, e de me empoderar e acreditar em mim. Hoje eu sei o que realmente essa palavra, já batida, significa.
Mas como disse lá no início do meu relato, tinha uma pedra no meio do caminho. Com 34 semanas comecei a sentir fortes dores. Pronto, Mateus querendo nascer, mas não. Era um paralelepípedo de 0,55 mm no rim. E lá se vão 5 dias de internação e uma cirurgia para colocar um cateter e tentar barrar as cólicas insuportáveis. Ufa, tudo certo e vamos em frente!
Mateus continuava sua jornada lindo, sereno, quietinho. Só esperando sua hora de brilhar.
E aí meu marido passa mal. Febre, calafrios, 5 dias trancado no quarto, exame de Covid e eu dormindo no sofá com quase 37 semanas de gestação. Resultado do exame? Negativo!
Manter a sanidade mental já estava ficando difícil. Mas nada como alinhar os chacras, fazer uma massagem relaxante e receber uma benção dos guias de uma pessoa maravilhosa para o meu pequeno nascer tranquilo. Sim, ele já estava pronto.
Com 37 semanas e 5 dias Mateus resolveu vir ao mundo. Dr Marcelo errou por 2 dias mas acertou em "um lindo parto normal". Às 3h da manhã acordei para ir pela milésima vez ao banheiro e senti um corrimento quentinho saindo. Era a bolsa.
As contrações começaram logo em seguida. Ritmadas, 40 segundos cada uma a cada 6 minutos. Estava sem dor, mas já sabia que a hora estava próxima.
Liguei para a Dra Avelina. A recomendação era descansar e acompanhar. Descansar? Impossível. O app contador de contrações só me deixava mais acesa.
Às 6h as contrações começaram dolorosas. Cada vez mais dolorosas com intervalo de no máximo 1 minuto entre elas. Custou a cair a ficha de que meu corpo estava funcionando, que eu era capaz de parir.
Às 7h30 estava no hospital. Aos berros! Sim, contração dói, dói muito. Você vira um bicho. E não ia reprimir nenhum instinto animal nessa hora. Era a minha hora!
Cheguei no hospital com 6 cm de dilatação. Tomei analgesia e o paraíso se instalou. Sentia tudo funcionar, mas sem dor.
Estava calma, serena, ainda sem acreditar. Em pouco tempo cheguei a 9 cm e fomos para o bloco. Dra Avelina pediu um banquinho de parto, forrou o chão com um lençol e sentou ali mesmo. Deu play nas melhores músicas e ficamos curtindo o momento e esperando a hora do pequeno.
Foi tudo tão leve, tão natural, libertador, empoderador... teve até torcida. Leandro, meu marido, esteve comigo o tempo todo. A sensação era de que ele estava pra parir também. Nos tornamos um só ali.
Dra Avelina foi médica, amiga, doula, DJ...ela foi tudo. Não conseguiria sem o carinho com que ela me conduziu a cada contração.
E ele veio ao mundo. Mateus, meu presente de Deus. O nome não poderia ser mais perfeito. Senti cada pedacinho dele saindo pra vida. E, contrariando seu diagnóstico, nasceu rosinha, apgar 9, lindo, veio pro meu colo, chorou gostoso, papai cortou o cordão umbilical e me deu tempo de agradecer por essa experiência. Por ter como recordação seu cheirinho cheio de vernix.
A sensação de parir é inexplicável. É mágico e muito especial. Vocé se conecta com seu eu mais profundo. Mas isso só é possível hoje com informação, empoderamento e uma equipe que te dê segurança, apoio, que seja humana, que respeite o seu momento, que não te julgue ou desencorage, que trate o momento mais transformador da nossa vida com carinho.
Mateus saiu do bloco, que de cirúrgico naquele momento não tinha nada, e foi pra UTI.
Aí sim o milagre que tanto esperávamos aconteceu. Não do dia pra noite, mas ele foi se revelando durante os 10 dias seguintes.
O ver na incubadora, todo cheio de aparelhos me desestruturou. No dia seguinte veio o cateterismo e a pior sensação da minha vida. Mas o vi nascer novamente logo depois do procedimento sem o cepap e muito ativo. Uma mistura louca de sentimentos em pleno puerpério. E a cada dia uma vitória...
Foram dias difíceis. Dolorosos. De luta para conseguir amamentar em meio a uma pressão para o uso de mamadeiras e chupetas e discursos velados muito desencorajadores de que eu não conseguiria alimentar meu filho. Enquanto isso meu seio jorrava leite. Ele só foi para o meu seio no terceiro dia de nascido. E lá se vão noites viradas para conseguir mais essa vitória e estar o maior número de horas possíveis perto do meu pequeno, para poder oferecer o melhor alimento que ele podia ter. Meu marido revesava comigo para poder descansar e ficar bem para continuar a jornada.
Nesse meio tempo operei para tirar a pedra do meu caminho. Minhas visitas na UTI eram acompanhadas do meu soro. Andava pelo hospital sob o olhar torto das enfermeiras perguntando onde ia sozinha. Onde mais poderia? Meu filho estava longe de mim e ninguém ia me impedir de ficar perto dele, muito menos uma pedra no rim. Mais uma vitória, a amamentação foi um sucesso.
Passei algumas noites na UTI dormindo em uma cadeira reclinável, recém parida e operada, e com os bipes intermináveis dos aparelhos. Dormir de máscara foi um desafio.
O nosso esperado milagre foi construido aí, dia após dia, vitória após vitória. Mateus mamando lindamente, se desvecilhando cada dia de um aparelho e mostrando que aquele pequeno de 2,345kg era um gigante e muito guerreiro. Ele era o nosso milagre.
E assim fomos para casa. Sair da UTI direto pro seu berço foi maravilhoso. Ele foi maravilhoso. E continua concretizando seu milagre a cada consulta com o pediatra e com o cardiologista.
Só tenho a agradecer todo o aprendizado desse período difícil.
Meu parto foi transformador e os dias no hospital me ensinaram a ter fé, acreditar mais na minha força, ter mais empatia, a agradecer pelas vitórias diárias, valorizar as pessoas e julgar menos.