Relatos de parto

Gael

Letícia & Lucas

Sobre a minha experiência em parir.

Sou uma pessoa marcada por datas constantemente especiais na minha vida. O dia 24 de junho é uma delas. Foi numa festa de São João que meu melhor amigo se transformou no meu amor e foi nessa mesma data, cinco anos depois, que eu pari a luz da nossa vida, o Gael.

Já fazia uma semana que sentia as famosas contrações de treinamento irem esquentando e ficando mais fortes além de muitas fisgadas na barriga que mais pareciam umas agulhadas internas tentando me partir ao meio. Na quarta-feira, três dias antes do parto, as contrações chegaram a ficar bem fortinhas a ponto de nos fazer ligar para o Dr. Renato, que nos acalmava e dizia que quando fossem de verdade eu iria saber – uma espécie de “jogo é jogo – treino é treino”. De quarta para quinta meu tampão soltou e deu aquela sensação de “foi dada a largada” para a chegada do Gael. Dois dias para o casamento da amiga de infância e uma mistura de chega logo com espera mais um pouquinho me inundava por dentro! Na quinta as contrações foram o dia todo... 30 em 30 min, depois vieram fortes e rápidas mas sem ritmarem certinho. Dessa vez o Dr. Renato (penso eu que para nos acalmar principalmente) nos recebeu numa consulta fora de hora para avaliação. Resultado? Ainda estávamos no aquecimento – nada de entrar em campo, o jogo não havia começado. Naquele momento confesso que senti um certo desânimo de pensar que estava sentindo aquelas dores por nada, mesmo que soubesse que não era por nada, me dava certo pânico pensar em ficar dias e dias naquela situação. Com a prescrição para dor na sexta-feira era outra mulher. Sai em busca de um vestido que me servisse para o casamento e claro, aproveitei para descansar dos últimos dias que tinham sido bem cansativos. Com o time montado tudo que eu podia fazer era esperar... uns três filmes e consegui dormir por volta da meia noite.

As 01:50 da manhã eu acordei, pulando da cama e gritando “estourou”! Não faço a mínima ideia como isso aconteceu... só sei que quando eu levantei começou a escorrer bastante água nas minhas pernas. Ainda não acreditando que era de fato a ruptura da bolsa (nem com o grito, nem com a água escorrendo, acho que a gente tende a não acreditar que a hora chegou) me deitei novamente na cama e tentei dormir. Para me convencer de fato senti um estalo, uma sensação de balão estourando dentro da barriga. Aí não tive mais dúvida, o juiz apitou o jogo começou, nada de casamento, lá vem neném! Liguei para o Dr. Renato meio sem graça de acorda-lo aquela hora (mas pensando que não era a primeira vez que alguém ia fazer isso) e ele com toda calma disse “é diferente né? Agora sim!” . Sem dúvida dava para saber que meu corpo não estava de brincadeira comigo.

Água abaixo, entrei para o chuveiro e fui esperar as benditas contrações virem. Não precisei nem gastar minha calma pois em menos de 10 minutos minhas contrações já estavam de 4 em 4 minutos e já me faziam contorcer no chão do banheiro. Dessa vez quem ligou para o Dr. Renato foi meu marido (o Lucas) que estava um pouco assustado com a situação e ele nos encaminhou para a maternidade. Nada de vaga na maternidade da Unimed fomos para o Santa Fé, que era nosso plano B. O caminho mais longo da história, só conseguia imaginar como nunca tinha reparado em tantos buracos nas vias e como meu marido dirigia pessimamente mal. Rs. Loucuras a parte, chegamos na maternidade e quando chegou o Dr. Renato eu estava quase abraçada a pilastra de dor. De toda forma passava na minha cabeça a esperança de ser daquelas sortudas que chega no hospital já quase parindo... se for assim tudo bem, pensava eu!

Não sei bem quanto tempo depois fui examinada e para meu desespero eu estava ainda com 2 para 3 cm de dilatação, apenas. Uma longa jornada me esperava e minhas contrações de 2 em 2 minutos não me deixavam raciocinar mais e a expectativa de mais 08 horas daquela maneira era inviável para mim. O Lucas então desceu e foi fazer a parte burocrática de internação enquanto eu sentei na bola tentando aliviar um pouco as dores. Confesso que tive enormes dificuldades de praticar o “deixe a dor te levar, sente o Gael chegar” e só lembrava da minha vó me ensinando a tal respiração cachorrinho para hora da contração. Se ela pariu 08 vezes assim deve funcionar, pensava eu.

Fomos então para o bloco cirúrgico enquanto o Lucas voltava em casa para buscar o cartão pré-natal e nosso plano de parto que na correria tinham sido deixados para trás. Chegou então a Dra Rachel com suas asas de anjo para me dar uma boa dose de anestesia. Eu queria mesmo dar um abraço nela e agradecer por me tirar aquela dor terrível. Eram 05:30 da manhã e eu tive então duas horas de um descanso impagável. Por volta das 07:30 a anestesia começou a passar e comecei a sentir as dores novamente. As contrações de 2 em 2min, 01 em 01 min ou até 30 em 30 segundos voltaram com força total. Senta, agacha, chora, grita... as dores eram realmente assustadoras. Dr. Renato me mandava fazer força contrária, para ajudar o Gael a encaixar. O Lucas que ficava o tempo todo ao meu lado mandava eu contra-atacar a contração e aquilo me dava um misto de ódio e vontade rir mas continuava na tentativa de amenizar meu sofrimento.

Nesse momento já tinha escutado nascer vários bebês nas salas ao lado do bloco e me passava na cabeça porque afinal eu não tinha feito uma cesárea? Não escutava nem um grito ou gemido daquelas mulheres... aquilo sim era um parto - pensava eu nos meus delírios. Naquele momento eu entendi que o parto normal realmente é um trabalho e dos mais dolorosos que se pode imaginar! Não conseguia acreditar que as mulheres tinham partos lindos e reclamava ao Dr. Renato que faltavam relatos mais assustadores nas palestras do Núcleo! Claro que isso era apenas loucura da minha cabeça, se tinha algo que eu sabia bem era que a gente sai de si no parto. Havia momentos que eu odiava qualquer pessoa que não estivesse em dor, em outras não escutava direito o que falavam comigo. O Lucas me contou depois que por várias vezes não respondia às perguntas que me faziam.

Mais algumas horas e tomei uma outra dose de anestesia, dessa vez eu continuei sentindo as dores porém mais suportáveis, o que permitia fazer a força certa no momento certo. Nesse momento eu consegui perceber que o Lucas tinha colocado um Bob Marley para tocar e que o sol já estava forte. Já eram mais de 09 e eu estava com 05cm de dilatação e mais de 07 horas naquela insanidade. Mentalizei uma força interna e durante uns 40 minutos fiz força com toda minha vontade para ajudar na dilatação e acelerar o processo, o que acho que funcionou pois fui de 05 para 08cm em cerca de uma hora. O problema de se tomar anestesia é que ela acaba, dura cada vez menos e pega cada vez menos também. Não sei quanto tempo depois, imagino eu que eram por volta de meio-dia eu escutei a frase mais esperada. “Seu colo não segura mais neném”! Era isso??? Tinha chegado aos 10 cm sem me render e sem pedir para me cortarem. Juro que passou pela minha cabeça que era uma possibilidade mas mantive isso intimamente, como um segredo obscuro de alguém que defende o parto natural e que não pretendia nem tomar anestesia.

Agora é chutar pro gol e comemorar, pensei eu! Andei no quarto, movimentei, fiz dancinha com quadril, sentei no banquinho, agachei de cócoras... fiz de um tudo durante cerca de uma hora. Enquanto isso Dr Renato havia me explicado que o Gael tinha encaixado olhando para cima (talvez inspirado pela música queria olhar para o céu de São João) e que isso poderia prolongar muito o expulsivo. Por volta das 13:00 a Dra Alessandra chegou e me avaliou também. Não estava acompanhando muito a conversa dos dois mas entendi que eles iam tentar viral o Gael para facilitar a saída e confesso que não tive medo de dar errado. Nessa hora eu me entreguei e só conseguia pensar em fazer força. Sabia que estava em boas mãos e que tudo ia dar certo.

Pedi então para sentir a cabeça dele com a mão e isso me fez sentir viva de novo, uma vontade de sorrir por estar perto de acabar e pela chegada da vida do meu filho tomou conta de mim. Senti quando Dr. Renato conseguiu virar o Gael com as mãos dentro de mim e pensei, agora vai, é só empurrar... Nesse meio tempo já tinha implorado por mais anestesia, não lembro bem quando nem como, mas sei que me deram uma dose menor que aliviou as dores um pouco. Incrivelmente ainda conseguia mover minhas pernas e andar mas não queria parir sentada como achei que ia acontecer, minhas costas doíam muito e a posição deitada na maca me serviu bem nessa hora. A Dra. Alessandra levantou bem minhas costas, me deixando inclinada e me auxiliava a cada contração. Lembro de escutar uma voz mandando eu segurar a respiração e assim eu fiz, ou pelo menos tentei. Não adiantou, as anestesias tinham deixado as contrações sem força e o Gael tinha parado a apenas alguns centímetros do mundo. Foi então que autorizei o Dr. Renato (que já havia me orientado em relação a essa possibilidade) a usar o fórceps de alivio para puxa-lo. Não aguentava mais. Eu só queria que tirassem ele de mim, só isso! Junto com fórceps veio uma episiotomia que me deram de presente alguns pontinhos doloridos depois.

Senti um alivio instantâneo quando saiu a cabeça e mais outro na contração seguinte quando ele saiu por inteiro. As 14:24 colocaram ele no meu colo e a partir dessa hora eu não vi mais nada, só o olhar daquela pessoinha pregado em mim, me enchendo de amor e uma vontade de chorar. O Lucas ao meu lado e aquela sensação de dever cumprido me trouxe a felicidade maior do mundo.

 

 

Hoje quando me perguntam se faria diferente eu digo que não. Eu não faria cesárea por opção mesmo conhecendo todo o caminhar árduo que é um parto normal. É um processo de exorcismo (com perdão da palavra) onde a você cura um tanto de coisa e sente a vida te entrando e te rasgando - mesmo - por dentro. Foi maravilhoso sim, doloroso demais e nada parecido com que eu imaginava. Mas eu faria tudo de novo.